Em um debate plural e técnico, como pressupõe o fazer democrático, a recém-aprovada Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – Lei 14.230/2021 – foi colocada em pauta em mais uma edição do evento Direito e Atualidades, realizado pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) nesta quinta-feira, dia 11, com uma audiência em torno de 200 pessoas.
O encontro, realizado no Miniauditório e transmitido pelo canal do Youtube da faculdade, foi mediado pela coordenadora adjunta da Graduação, Ivana Bonesi, e teve como debatedores o sócio da Tozzini Freire Advogados Marcelo Zenkner; o coordenador da Pós-Graduação de Gestão Pública e procurador do Estado, Horácio Augusto M. de Sousa; o juiz federal Américo Bedê; o promotor de Justiça Gustavo Senna Miranda; e o advogado Marcos Pinto.
Em sua fala, Marcelo Zenkner rebateu que a LIA tenha acabado com o combate à corrupção e trouxe dados relevantes de uma pesquisa. “Os processos que tratam de improbidade demoram mais do que os demais. O período é de 6 anos e 8 meses em média. Isso demonstra que a tutela da probidade pelo viés judicial é falha. Além disso, 96,22% das ações são contra agentes municipais, o que mostra que se concentram na microcorrupção. Em todo mundo, a prevenção é mais eficaz. Nenhum país conseguiu mitigar a corrupção pelo viés punitivo, mas pelo preventivo”, explicou Marcelo, reforçando ainda a necessidade de diálogo entre a LIA e Lei Anticorrupção.
Na mesma linha de defesa da prevenção, o promotor Gustavo Senna defendeu ser este o caminho para diminuir os espaços vazios que favorecem a corrupção, alertando ainda que o tema tem que ser discutido de forma equilibrada, serena e técnica. O palestrante abordou a natureza dos atos de improbidade, a revogação expressa da palavra culpa e a retroatividade.
“No Ministério Público tem prevalecido a ideia de irretroatividade. A segunda corrente é da retroatividade, na qual eu me enquadro. Ela vai alcançar todos os processos, inclusive os transitados em julgado, pois quando a norma posterior é mais benigna, ela retroage. A improbidade não acabou com a LIA. Desde que surgiu, ela sofreu inúmeros ataques. Mas não nos cabe uma defesa emocional, é preciso uma defesa técnica. E minha bússola é a Constituição Federal”, opinou Gustavo.
Marcos Pinto – que inclusive teve a oportunidade de propor, por meio do seu orientador do doutorado na USP Heitor Sica, sugestões sobre o texto da LIA no que diz respeito a transferir o ônus da prova para a acusação e a impedir que haja ação de improbidade por presunção, entre outros pontos – focou sua participação na questão da incidência da garantia do bis in idem na ação de improbidade administrativa. “Não há possibilidade de propositura de mais de uma ação por conduta, nem a dupla punição sobre o mesmo fato”, esclareceu Marcos, levantando ainda uma análise sobre se isso não fere a independência entre instâncias de poder.
Na sequência, Américo Bedê iniciou sua participação lembrando de frases conhecidas: “Nem tudo que incomoda é inconstitucional” e “Às vezes a lei é estupida, mas pode ser constitucional”. Enfocando o sistema prescricional das ações por ato de improbidade administrativa, o juiz lembrou que a primeira mudança que a LIA trouxe foi o prazo de prescrição penal, que é o da data do fato. “A lei criou prazo único para todos os ilícitos de oito anos até a propositura da ação. Isso viola a ideia de proporcionalidade. O aspecto mais polêmico foi a prescrição intercorrente durante a ação e aqui temos correntes principiológicas”, comentou Américo, resumindo que o sistema teve avanços na parte de prescrição, mas também vários retrocessos.
Por fim, o procurador Horácio Augusto abordou as licitações e contratações públicas no contexto da LIA. “Um dos temas que receberam mais tratamento legislativo desde a Constituição de 1988 é a de licitações públicas, inclusive três nos últimos dois anos”. Defendendo que a LIA restringiu substancialmente a propositura de ações de improbidade, Horácio enfatizou um ponto que a própria legislação traz, que é a necessidade de profissionalizar a gestão pública.
Aberta a sessão de perguntas, ainda foram debatidas questões como a competência exclusiva do Ministério Público para propositura de ações, a extinção da modalidade culposa, a permissividade para o gestor público agir com negligência, a banalização da ação e a falta de diálogo sistêmico com o ordenamento jurídico.
Ao final, Ivana encerrou o evento e todos os palestrantes enalteceram o diálogo respeitoso. “Estamos vivendo um momento de debates ácidos, isso nos impede de avançar. Queria encerrar citando que “onde dialogam pessoas sábias, opiniões diferentes não geram conflitos, mas novas ideias”, disse Marcelo Zenkner.
Defendendo o estabelecimento de pontes conversacionais, Gustavo Senna fez um alerta. “Nós temos que internalizar a democracia. Vamos debater com equilíbrio e espírito democrático. O diálogo é fundamental”, encerrou o promotor.