O Programa de Mestrado e Doutorado – PPGD FDV, realizará no próximo dia 05 de dezembro de 2023, um Seminário sobre Linguagem, realidade e justiça – Vilém Flusser e o problema da Sprachgerechtigkeit (justiça linguística) com o convidado alemão, Ino Augsberg, professor de Filosofia do Direito e Direito Público e codiretor do Instituto Hermann Kantorowicz de Pesquisa Jurídica Básica na Universidade Christian Albrechts de Kiel (Alemanha).
No mesmo evento, organizado pelo professor do PPGD, João Maurício Adeodato, haverá o lançamento do livro dele, intitulado: Introdução ao Estudo do Direito: Retórica Realista, Argumentação e Erística. O evento será em dois horários, das 11h às 13h (às 12h30 haverá o lançamento) e das 16h às 18h no Auditório Antonio Abikair. É aberto a toda a comunidade acadêmica da FDV com inscrições gratuitas no link a seguir, https://www.fdv.br/evento/
Ao apresentar o Seminário e seu tema, o professor organizador João Maurício Adeodato, explicou que, em seu primeiro livro, “Língua e Realidade”, publicado em 1963, quando residia no Brasil, Vilém Flusser analisa a importância da linguagem – ou mais precisamente, das línguas – para a nossa compreensão do que comumente é chamado de ‘mundo’ ou ‘realidade’.
Flusser escreveu o livro em português, língua do país que se tornou seu novo lar. A ideia básica do livro, porém, é que a importância fundamental da linguagem, não apenas para a descrição, mas para a formação ativa do nosso mundo, só se torna visível mediante a comparação entre diferentes linguagens. Para demonstrar este efeito, Flusser alterna constantemente as línguas, principalmente entre o inglês, o alemão, a sua língua materna, o tcheco, e o português, o qual assume assim o estranho papel duplo de uma língua independente, por sua própria natureza, e de um meio neutro de descrição.
Embora Flusser pareça concentrar-se inteiramente em questões ontológicas descritivas, uma leitura cuidadosa mostra que o livro também tem fortes implicações normativas. Por um lado, levanta, ainda que implicitamente, a questão de como podemos fazer justiça à linguagem. Ao enfatizar a importância da pluralidade e sublinhar que a tradução, embora impossível em sentido estrito, é ao mesmo tempo a única forma de obter alguma compreensão dos limites da linguagem, Flusser mina o universalismo, que é tão característico do conceito ocidental de ciência e também de direito.
Ao fazê-lo, contudo, ele também aborda uma questão metodológica importante: como podemos questionar o universalismo, ou a distinção entre universalidade e particularidade, de uma forma que não seja baseada nessa mesma distinção? Podemos falar sobre os limites de uma língua e ao mesmo tempo falar essa língua – e, portanto, estar sujeitos aos seus limites (regras) específicos? Por outro lado, como poderíamos fazer justiça a uma língua se não a falamos, mas apenas a abordamos como um assunto, um objeto, em outra língua?
De qualquer forma, certamente devemos levar em conta, talvez mais do que Flusser, as inúmeras sobreposições, influências e supressões que existem e ocorrem continuamente entre as línguas. Afinal, o português não é apenas a língua comumente falada no Brasil. É a língua dos colonizadores, o que toca nos problemas do eurocentrismo e da decolonialidade. Finalmente, a própria linguagem, ou a comunicação em geral, tem outra dimensão normativa distinta.
Em seu último livro, que surgiu de uma palestra que proferiu em Bochum, na Alemanha, em 1991, pouco antes de morrer em um acidente de carro, Flusser não apenas explica que a cultura é a tentativa desesperada da humanidade de superar sua própria finitude. Deixa também claro que as línguas utilizadas em “Língua e Realidade” foram uma forma de comunicar tanto com os vivos – o público português – como com os mortos. “Todas as pessoas com quem eu estava intimamente associado em Praga morreram. Todos eles. Os judeus nos campos, os checos na resistência, os alemães em Stalingrado.” Falar (e escrever, aliás), poder-se-ia dizer, é antes de tudo uma forma de comemoração, de não esquecer aqueles que já não podem falar por si próprios. Justiça, então, talvez seja apenas outra palavra para este processo, concluiu o professor João Maurício.
Sobre o convidado:
Ino Augsberg estudou filosofia, história da arte, literatura e direito nas Universidades de Freiburg e Heidelberg. Ele recebeu um Ph.D. em filosofia pela Universidade de Freiburg (2001) e Ph.D. em jurisprudência pela Universidade de Hamburgo (2008). De 2004 a 2008 trabalhou como pesquisador associado do Prof. Karl-Heinz Ladeur na Universidade de Hamburgo. De janeiro a abril de 2007, foi secretário do Prof. W. Hoffmann-Riem, juiz do Tribunal Constitucional Federal Alemão em Karlsruhe. De 2008 a 2013, trabalhou como pesquisador sênior na Cátedra de Direito Público e Direito da Igreja Estatal (Prof. Dr. Stefan Korioth) na Universidade Ludwig-Maximilians em Munique. Em 2013 concluiu a “Habilitação” (tese de cátedra) e recebeu autorização para lecionar direito público e teoria jurídica. Desde outubro de 2013 é professor de filosofia jurídica e direito público e codiretor do Instituto Hermann Kantorowicz de Pesquisa Fundamental em Direito da Universidade Christian-Albrechts de Kiel.